1.9.19

Discurso do Embaixador Nestor Forster Jr. na condecoração de Olavo de Carvalho com a Ordem do Barão de Rio Branco

Quero mais uma vez dar as boas-vindas a todos que nos acompanham nesta cerimônia singela, mas plena de significado. A concessão de medalhas e condecorações faz parte da rotina da vida cívica e militar. No Brasil, todo ano, são distribuídas comendas a brasileiros e estrangeiros que se destacam por seu serviço e mérito. No entanto, a decisão do Presidente da República Jair Bolsonaro de conceder ao professor Olavo de Carvalho a Grã-Cruz da Ordem de Rio Branco nada tem de rotineira, mas, ao contrário, possui um caráter verdadeiramente extraordinário.
Em primeiro lugar, é desnecessário dizer o professor preenche com sobra os critérios fixados no regulamento da Ordem de Rio Branco, de “serviços ou méritos excepcionais” ao Brasil. Se tomarmos apenas o fato bruto de sua vasta obra publicada, mais de vinte volumes, que tratam dos mais variados temas filosóficos, desde a hermenêutica aristotélica, passando pela crítica a Maquiavel e Descartes e ao questionamento dos fundamentos da filosofia moderna, pelo magistral panorama da evolução da cultura ocidental à luz do materialismo e da religião civil em O Jardim das Aflições, até a formulação de uma teoria original para a compreensão do fenômeno da mentalidade revolucionária desde o seu surgimento, para não falar de seus best-sellers de crítica cultural, O Imbecil Coletivo e O Mínimo que Você Precisa Saber para não ser um Idiota.
Mas a contribuição de Olavo de Carvalho à filosofia e à cultura brasileira certamente ultrapassa a sua obra publicada: juntamente com a atividade de filósofo, escritor e jornalista, ele desenvolveu, desde a década de 80, uma atividade docente igualmente original: a formação de uma nova classe intelectual no Brasil, buscando o resgate e a redenção da alta cultura em nosso país. Como se conectado a uma fonte perene de conhecimento e sabedoria, o professor não pára de ensinar há mais de 40 anos, por todos os meios a seu alcance, em cursos, seminários, livros, apostilas, artigos de jornal, podcasts, hangouts, live streaming, cursos online, etc.
O Professor Olavo de Carvalho foi reconhecido por alguns dos maiores intelectuais brasileiros das mais variadas origens e orientações: de Jorge Amado ao Embaixador Roberto Campos, que por sinal morou aqui nesta casa, e que reconheceu em Olavo “um filósofo de grande erudição”. Carlos Heitor Cony afirmou que Olavo de Carvalho se destaca “porque pensa, reflete, e é de uma honestidade intelectual que chega a ser cruel”. Herberto Sales disse louvar “a coragem e a lucidez de suas idéias e a maneira admirável como as expõe”; colheu elogios e apreço do embaixador José Oswaldo de Meira Penna, do escritor Josué Montelo, e de tantos outros.
Quem o conhece sabe que ele é de uma generosidade de caráter e de uma bondade absolutamente extraordinárias, sempre pronto a ajudar o próximo, mesmo com sacrifício pessoal. Isso faz dele, mais do que um intelectual ou um filósofo, um homem verdadeiramente sábio, que busca viver o que sabe e ensina.
É impossível, nestas breves palavras, fazer justiça à vastidão quase ilimitada de seus interesses filosóficos, à profundidade de seus insights, à amplitude das questões filosóficas clássicas que enfrentou com originalidade, se não mesmo as que identificou e formulou por conta própria. Ao contrário dos pseudo-luminares acadêmicos que passam a vida estudando a obra de um só filósofo e jamais enxergam a densa e bela floresta do conhecimento e da sabedoria, o Professor Olavo de Carvalho dedicou a sua vida a empregar o método filosófico para conhecer algo chamado a realidade. A sua definição de filosofia como “a busca da unidade do conhecimento na unidade da consciência e vice-versa” sintetiza perfeitamente o seu projeto e as suas realizações.
Permitam-me a destacar apenas três dessas realizações no campo filosófico, que a mim parecem mais salientes:
A primeira: Olavo de Carvalho propôs o que chamou de “nova perspectiva” para ler Aristóteles, articulando quatro obras de Aristóteles, a Poética, a Retórica, a Dialética (os Tópicos) e a Analítica (Lógica) em sua “Teoria dos Quatro Discursos”. Em uma frase, em sua formulação original, “o discurso humano é uma potência única, que se atualiza de quatro maneiras diversas: a poética, a retórica, a dialética e a analítica (lógica)”. O professor percebeu, em genial intuição, a unidade que existe entre essas quatro ciências do discurso, que constituem graus de crescente credibilidade, numa escala que começa com o discurso do imaginável próprio da poética, passando para o discurso do verossímil, na retórica, ao discurso do provável na dialética e finalmente ao discurso da demonstração que encontramos na lógica. Olavo mostra que esses quatro degraus surgiram historicamente nessa ordem, que nenhuma cultura começou com o discurso retórico antes de ter desenvolvido o discurso poético, e assim por diante. Os inúmeros insights que decorrem dessa teoria ainda vão inspirar muitos estudos e constituem talvez a maior contribuição original à compreensão da obra de Aristóteles feita por um filósofo brasileiro.
Segunda: Todos aprendemos que a filosofia moderna começa com a dúvida radical que teria levado Descartes a perceber o cogito ergo sum, conforme expôs em suas Meditações de Filosofia Primeira. Pois o professor Olavo de Carvalho resolveu reconstituir passo a passo a investigação ali proposta por Descartes, seguindo o método sugerido por Paul Friedländer em sua obra clássica sobre Platão, e descobriu que o pai da filosofia moderna cometeu enorme engano ao propor a dúvida metódica como fundamento de um conhecimento mais seguro do que aquele da filosofia clássica ou da escolástica. Para quem quiser seguir o itinerário proposto pelo Professor, sugiro que leia sua obra Visões de Descartes ou assista as diversas aulas de seu curso online sobre o tema.
Finalmente, dentre as inúmeras contribuições originais de Olavo de Carvalho à Filosofia Política e à Ciência Política, a definição científica do fenômeno da mentalidade revolucionária está certamente entre as de maior alcance. Objeto de aulas, artigos e palestras, a teoria formulada pelo Professor mostra que, desde suas origens mais remotas, nos movimentos messiânicos e apocalípticos dos séculos XIV e XV, todas as revoluções subseqüentes, da francesa à soviética, chinesa, cubana, etc. possuem uma característica comum: todas essas revoluções projetos de reforma integral da sociedade, do mundo, da natureza, mediante uma inédita concentração de poder nas mãos da elite revolucionária, detentora exclusiva do conhecimento redentor, da mesma forma que os líderes gnósticos do passado se julgavam portadores das chaves para o paraíso, não mais no fim dos tempos, mas dentro do tempo histórico. E essa concentração de poder decorrente do alegado conhecimento de um suposto “mundo melhor” opera com base na inversão do sentido do tempo. O comum dos mortais vive em um presente em fluxo permanente, desde um passado que não pode ser mudado, e por isso pode ser conhecido, em direção a um futuro desconhecido, mas moldável de acordo com os desejos humanos. Para a mente revolucionária, como a descreveu o Professor, opera-se uma inversão fundamental desse sentido habitual do tempo que temos todos. É em nome de um futuro conhecido e anunciado pela elite revolucionária que ela concentra o poder no presente e reescreve o passado, que já não é mais imutável, mas é refeito constantemente em função do projeto futuro.
É esse conceito fundamental da filosofia do nosso agraciado que permite explicar por que a revolução americana não foi propriamente uma revolução: ela não alterou o sentido comum do tempo histórico e, em vez de concentrar poder, distribuiu o poder da metrópole entre as treze colônias originais; e em vez de destruir as tradições, preservou-as. Essa é uma contribuição fundamental do Professor Olavo de Carvalho que ainda aguarda publicação em forma de livro.
Sras. e Srs.,
Talvez o aspecto mais visível do caráter extraordinário dessa homenagem ao professor, é que não se trata apenas de uma homenagem do Presidente da República, de nosso Chanceler e de todo o Itamaraty, de seus milhares de alunos no Brasil e no exterior, mas de todos os brasileiros de bem que, cansados de ver a pátria aviltada e assaltada por criminosos, saíram às ruas em protesto com cartazes em que proclamavam “Olavo tem razão”.
Mas no que exatamente Olavo tem razão?
Considerada a amplitude da obra de Olavo de Carvalho, a frase adquire o caráter de um símbolo com inúmeros significados. Olavo certamente tem razão no diagnóstico da patológica decadência cultural do nosso país: ao longo dos últimos 40 ou 50 anos, nossas expressões culturais foram quase todas reduzidas ao nível meramente antropológico, fruto da traição dos intelectuais que trocaram a busca da verdade e do conhecimento pela vassalagem à ideologia e às benesses do poder, nas universidades e na mídia, a serviço do marxismo cultural e de um projeto de poder totalitário, frontalmente contrário aos valores mais caros do povo brasileiro.
Olavo tem razão também quanto ao tratamento que recomenda para curar essa doença espiritual: a recuperação de nossa alta cultura, o revigoramento de nossas mais elevadas tradições na literatura e na crítica literária, na filosofia, na historiografia, na música e nas artes. Em uma palavra, na restauração da inteligência e do amor à verdade. E é a esse enorme projeto de restauração cultural que ele tem dedicado o melhor de seus esforços.
É esse projeto de restauração cultural do Professor Olavo de Carvalho que acredito traz um certo paralelo com a grande obra do patrono de nossa diplomacia, cujo lema, que constava de seu ex-libris, era ubique patriae memor “em toda parte me lembrarei da pátria”, que está gravado na condecoração. O Barão, usando os seus inigualados conhecimentos de história, geografia e cartografia do Brasil do período colonial, conseguiu, por meio da negociação diplomática, acrescentar ao território nacional uma área equivalente ao atual território de França e Alemanha combinados.
Eu diria que, com o mesmo espírito patriótico, de quem se lembra do solo materno mesmo longe dele, porque o traz consigo em seu íntimo, o Professor Olavo de Carvalho reconquistou para o Brasil territórios espirituais talvez ainda mais extensos. Ele recolocou em circulação idéias, conceitos, e autores que haviam desaparecido, não só de nossas livrarias e bibliotecas, mas de nossa memória e imaginação. O Professor venceu a ditadura esquerdista que dominava a vida intelectual brasileira até poucos anos atrás, fingindo possuir o monopólio do que poderia ser pensado.
O Professor Olavo de Carvalho trouxe de volta, ou colocou em circulação pela primeira vez, um sem número de autores brasileiros como Gustavo Corção, Miguel Reale, José Geraldo Vieira, Mário Ferreira dos Santos, o Otto Maria Carpeaux da monumental História da Literatura Ocidental, Fidelino de Figueiredo, Álvaro Lins, os nossos José Guilherme Merquior e José Oswaldo Meira Penna, Bruno Tolentino, Paulo Mercadante, o Pe. Leonel Franca, para ficar só nesses.
E fez o mesmo por filósofos como Ortega y Gasset, Julian Marias, e Xavier Zubiri, Hugo de S. Vitor, Joseph Marechal, André Marc, e Louis Lavelle, René Girard, Eric Voegelin, Giovanne Reale, Leszek Kolakowski, Dietrich von Hildebrand, Bernard Lonnergan e Roger Scruton; historiadores como Hyppolite Taine, Ricardo de la Cierva, Régine Pernoud, Johann Huizinga, Leopold Von Ranke; escritores como Leon Bloy, Julian Green, François Mauriac, Alain, Georges Bernanos, Flannery O’Connor e Jakob Wasserman ; por estudiosos da psicologia como Maurice Pradines ou Lipon Szondi, cientistas políticos Bertrand de Jouvenel, historiadores da cultura, como Christopher Dawson, Alois Dempf, Ernst Robert Curtius; historiadores da filosofia, como Paul Friedländer, Frederick Coppleston, Gullermo Fraile; historiadores da Igreja Malachi Martin, críticos literários como F. R. Leavis, Northrop Frye; críticos da cultura como Richard Weaver, Roger Kimball, Henry Redner, críticos da ciência como Wolfgang Smith… A lista não tem fim, e esses são só os de primeiríssima linha…
Olavo recuperou imensidões intelectuais e espirituais para a vida cultural do Brasil.
Para encerrar, quero lembrar um dos capítulos da obra “O Futuro do Pensamento Brasileiro”, que o Professor Olavo de Carvalho publicou em 1997. Ali, ele busca investigar o que o Brasil tem a dizer ao mundo e quais as nossas contribuições que deverão sobreviver à passagem dos séculos. Na esfera do pensamento, ele identifica quatro contribuições que “são os pontos mais altos alcançados pelo pensamento brasileiro no seu esforço de cinco séculos para erguer-se à escala do universalmente humano.” São eles: a sociologia de Gilberto Freyre, o pensamento jurídico e político de Miguel Reale, a obra crítica e historiográfica de Otto Maria Carpeaux, e a filosofia de Mário Ferreira dos Santos.
Não tenho a menor dúvida de que, daqui a muitos anos, quando Nosso Senhor já tiver chamado o Professor Olavo de Carvalho para junto de Si, o estudioso que procurar repetir essa investigação, sobre o que há de perene e universal no pensamento brasileiro, haverá de acrescentar um quinto lugar à mesa, destinado ao pensamento e à filosofia de Olavo de Carvalho.
Quero mais uma vez agradecer ao meu querido amigo e Professor Olavo de Carvalho por tudo o que tem feito pela cultura brasileira, e cumprimentá-lo e à sua família aqui presente, à sua mulher Roxane, seus filhos Pedro e Leilah, por essa condecoração e tudo o que ela simboliza como reconhecimento de uma vida à serviço da busca da verdade e do conhecimento.
Muito obrigado

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