Meus avós paternos e meus tios certamente dormiam mais de oito horas por noite, apesar de acordarem muito cedo, quase de madrugada mesmo, quando ainda estava escuro.
Em sua modesta casa, nas cercanias de Campos Gerais (MG), à época de minha infância, não havia água encanada, nem esgoto e tampouco energia elétrica. A água vinha de uma mina situada a uns cinquenta metros morro abaixo, carregada em latas e baldes e armazenada em potes de barro. Para o banho de bacia era fervida em latas em um fogão à lenha. O banheiro era externo à casa, construído em cima de uma fossa. A luz era provida por lamparinas de querosene mantidas sobre móveis ou em suportes na parede.
Quando em férias por lá, tomávamos banho antes de escurecer (para não ter que buscar água da mina no escuro...) e jantávamos em seguida, por volta das seis da tarde, pouco depois da "Ave Maria". Após a janta, enquanto lavava-se a louça, um pouco de estórias, às vezes pipoca ou um docinho caseiro, rezávmos o terço juntos e íamos para a cama. No máximo ouvía-se a "Linha Sertaneja Classe A" pela então Rádio Record, entre oito e nove da noite, em um rádio de pilha que ficava sobre a cristaleira, na copa. E pronto, dormia-se... Na manhã seguinte, antes das cinco da manhã já acordávamos sentido o cheiro de lenha queimada e do café. Assim passamos diversos períodos de férias, compartilhando com meus avós e meus tios e tias o dia-a-dia de então.
Dava tempo de fazer tudo: as tarefas do dia, visitas a parentes e amigos, ir à cidade, fazer compras, cuidar da horta, consertar e limpar o que fosse necessário...
Já em nossa casa a rotina não era tão diferente: a despeito da casa ser provida de água, esgoto e energia elétrica, até por volta de meus onze anos não tínhamos televisão, somente rádio. Os horários pouco mudavam, pois estudávamos quase todos pela manhã. Caxambú (MG), onde morávamos, então, era uma típica cidadezinha do interior de Minas. E depois, em Varginha (MG), que apesar de ser um centro regional não era tão diferente assim, pouca coisa mudou, exceto quando passei a estudar à noite.
Sem telefone, sem celular, sem carro, sem ônibus, sem internet...
Desde então têm aumentado consideravelmente as facilidades em minha vida moderna. Moto, carro, telefone, televisão, computador, internet, celular... Tecnologia após tecnologia, inovação, mudança, velocidade... Tudo muito automático, automatizado, mecânico, eletrônico, digital, programável, on-line, real time...
Mas e o tempo? Cadê os incontáveis minutos perdidos na fila do banco para sacar, depositar e pagar, que hoje substituímos por uma passada pela internet ou, no máximo, no caixa eletrônico? Cadê as intermináveis horas de pesquisa em bibliotecas e livros velhos, substituidas por um click de mouse no Google? As longas horas de conversa com parentes e amigos, substituídas por frases resumidas no MSN, Gtalk, ou uma olhadela no Orkut...? As cartas que, depois de horas para serem escritas e reescritas, precisavam de selo e de serem entregues lá nos Correios, hoje substituidas por um simples e-mail... Cadê este tempo?
Acordo por volta das seis da manhã, às vezes escuro ainda, e vou deitar-me invariávelmente depois da meia-noite, com a sensação de ainda ter um milhão de coisas a fazer - e de ter feito muito pouco. Chega o final de semana e vai-se embora antes mesmo de poder sentar-se para apreciar sua passagem... Todos lamentam-se do pouco tempo disponível para tudo, e até mesmo para as coisas mais importantes: Deus, família, amigos... Alguns amigos comentam que é efeito da idade... Será? Vejo meus filhos e filhos de amigos com a mesma síndrome da falta de tempo...
Há algo de estranho nisso tudo. Nosso tempo deixou de ser medido em dias, em horas, e passou a ser contado em segundos, milésimos. Jã não temos mais relógios, mais clock de CPU. Nossas memórias, lembranças, pouco a pouco vão ocupando megabytes e gygabytes de HDs, cartões de memória e pen drives. Temos notícias on-line do mundo inteiro, temos intermináveis listas de números de telefone e celular, e-mails e URLs... Sabemos cada vez menos sobre cada vez mais... Trocamos a qualidade do que fazíamos pela quantidade do que fazemos. Trocamos a emoção das pequenas coisas pela racionalidade das "grandes" realizações, embaladas em uma complexidade disfarçada de progresso que consome nossos cérebros e corações...
À cada salto da tecnologia minha lista de coisas à fazer vai aumentando, dia após dia. À cada versão do Windows, do Office, à cada expansão de memória e de disco, dos pixels da câmera e dos recursos do celular, percebo que gasto muito mais tempo fazendo o que não precisaria fazer, aprendedo o que não precisaria conhecer e assim ocupando-me com quase tudo, menos com as coisas mais importantes...
O que houve com nosso tempo?
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